Caso teve desfecho favorável à mãe socioafetiva e à criança
Em um caso que envolve conceitos modernos de família e vínculos afetivos, a turma julgadora do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinou, por votação unânime, a nulidade da sentença proferida em primeira instância e o retorno dos autos para prosseguimento com a produção de provas. O caso em questão trata da solicitação de reconhecimento da maternidade socioafetiva por parte de uma amiga da mãe biológica, que reside com a família desde o nascimento da criança e alega desempenhar um papel ativo na educação e criação da menor, A família, defendida, pelos advogados Isabella Calamia Rinaldi e Diego Rycbczak Lopes, apelou ao TJ-SP.
O relator do caso, o desembargador Alvaro Passos, destacou as transformações nos conceitos e formações familiares no âmbito do direito de família. Ele ressaltou que a entidade familiar em geral possui uma relevância constitucionalmente protegida. O magistrado observou que a doutrina e a jurisprudência têm ampliado a definição de família, que já não se restringe apenas ao texto literal do artigo 226 da Constituição Federal, passando a abranger também os vínculos afetivos. O relacionamento socioafetivo, mesmo sem vínculo biológico, é considerado uma relação de fato que deve ser reconhecida e respaldada juridicamente, afirmou o relator.
De acordo com o desembargador Passos, é necessário examinar cada caso específico, sempre buscando o melhor interesse da criança. No presente caso, a menor convive desde o seu nascimento com a mãe biológica e com a coautora que busca o reconhecimento da maternidade socioafetiva. O relator considerou “essencial” a realização de uma maior dilação probatória para analisar o relacionamento existente na família.
O desembargador ressaltou que a codemandante, conforme consta na ação inicial, possui fortes laços de amizade, sem caráter amoroso, com a mãe biológica da criança. Ela reside na mesma casa e contribui para a educação e cuidado da menor desde o seu nascimento, intensificando-se ainda mais após o falecimento do genitor.
No que se refere à produção de provas, o magistrado destacou a importância de verificar a saúde dos relacionamentos e os benefícios ou prejuízos para a criança. Ele afirmou que o principal a ser ponderado é se as necessidades da menor serão atendidas com a inclusão da coautora como mãe socioafetiva, além dos pais biológicos. Dessa forma, o desembargador enfatizou que, uma vez que é possível o reconhecimento de diversos conceitos de família e que os princípios da dignidade da pessoa humana e da prioridade dos interesses da criança devem ser seguidos, “torna-se indispensável, para o caso, uma maior dilação probatória a fim de examinar as circunstâncias das partes e os interesses da menor”.
Assim, o processo retornou ao juízo de origem, que determinou a realização de um estudo social. Esse estudo avaliou o vínculo entre a criança e a autora e descreveu a dinâmica familiar. O estudo social validou a relação de socioafetividade entre a criança e a autora, sendo que esta última reconhece a menor como sua filha.
Após a conclusão do estudo social, o representante do Ministério Público emitiu parecer favorável à procedência da ação, com base nas evidências apresentadas no estudo. Ele afirmou que a medida pleiteada não implicará na supressão das informações referentes aos pais biológicos registrados, mas sim no acréscimo de um vínculo/maternidade.
O caso em questão demonstra a evolução do entendimento jurídico em relação à constituição das famílias, considerando não apenas os laços sanguíneos, mas também os vínculos afetivos estabelecidos ao longo do convívio. O reconhecimento da maternidade socioafetiva visa garantir os direitos e o bem-estar da criança, levando em consideração a sua realidade familiar e os laços emocionais estabelecidos.
A decisao do TJ-SP em determinar a nulidade da sentença e a continuidade do processo com a produção de provas reflete a importância de se analisar detalhadamente cada caso concreto, buscando sempre o interesse superior da criança. O reconhecimento da maternidade socioafetiva, quando comprovado, traz segurança jurídica e proteção para todos os envolvidos na relação familiar.
Esse caso representa mais um passo na evolução do direito de família, que busca abarcar as diversas formas de constituição familiar e reconhecer a importância dos vínculos emocionais para o desenvolvimento saudável e a proteção dos direitos das crianças.
O desfecho dessa história ocorreu em 26/05/2023 quando o juiz de primeira instância, com base no estudo social, homologou o acordo entabulado pelas partes a fim de reconhecer a maternidade socioafetiva da coautora em relação à menor.
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Processo 1013943-51.2020.8.26.0007